Lições de injustiça

Nos últimos anos tem-se intensificado o número de ex-alunos de Universidades particulares que buscam o braço forte da justiça para tentarem ver sanado um abuso na cobrança das mensalidades[i] e verem restituído valores pagos por serviços não prestados.

Isto porque tornou-se prática habitual de algumas Universidades a cobrança de valores desproporcionalmente maiores nos últimos semestres dos cursos que oferecem. Dizemos sem proporção, porque nestes mesmos períodos, são oferecidas menos horas-aula e cobradas mais.

Entretanto, contrariamente aos princípios de justiça e democracia, na mesma medida em que aumentou o número de alunos buscando a reparação de tal dano, o entendimento predominante dos julgadores migrou de conceder a restituição para considerar a cobrança devida.

Os argumentos que adotaram os magistrados nesta última corrente, estranhamente com mais e mais magistrados adeptos, é de que, tratando-se de relação de consumo, os serviços não podem ser gratuitos e por isso são cobrados conforme o preceito constitucional de autonomia regulamentar das Universidades, de forma que não inexiste cobrança abusiva ou ilegal, nem ganho excessivo para a Instituição ou dano para o aluno, já que a contratação dos serviços, de per si, acarretam em ampla e irrestrita aceitação de condições.

Erguem também contra o ex-aluno a irregularidade da sua graduação, traduzida no menor número de aulas efetivamente cursadas. Com este argumento inferem serem os ex-alunos partícipes, se não autores de um ato ilícito, pelo qual pagaram e obtiveram vantagem, tornado-se desmerecedores de qualquer restituição. Assim, a restituição dos valores indicam ser inviável, por ter agido o aluno com torpeza ao aceitar se graduar, mesmo com a falha pedagógica de carga-horária de que teriam sido responsáveis.

Nesta senda, continuam a construção da infausta tese, indicando como única opção perante a cobrança indevida (então admitida por nossos doutos jurisconsultos togados), cursar as horas-aula faltantes, acrescentado ao mesmo tempo, que tal é impossível, por já ter se efetivado a colação de grau. Neste norte, sustentam que o valor só poderia ser devolvido se houvesse desfazimento do negócio jurídico, incluindo o cancelamento da colação de grau.

Ainda dizem que a colação de grau significou plena remissão ou renúncia gratuita de todo e qualquer crédito inerente à relação acordada e arrematam por explicar a falta de direito dos ex-alunos no fato de tais cursos universitários terem sido reconhecidos pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Estadual de Educação.

Será que alguém interpreta tal entendimento como tendencioso e injusto? Imaginamos que apenas as Instituições beneficiadas assim não entenderiam.

A ilegalidade salta aos olhos, e a incompreensão não cede espaço, com decisões deste viés, ao arrepio da Justiça e dos princípios morais e éticos.

A proposta deste ensaio não é conduzir o entendimento do leitor ao encontro do de juízes ou das partes, mas sim propor um diálogo sobre o direito destes cidadãos que procuraram o “braço forte da justiça” para lhes apoiar, e foram injustiçados. A menção de julgados se fará apenas quando estes traduzirem as idéias que se pretender deixar claras.

Pois bem, na análise dos processos mencionado denota-se que não é o intuito dos alunos e ex-alunos destas instituições combater a cobrança de valores pelo fornecimento dos serviços educacionais universitários (os efetivamente prestado). A luta é pelo reconhecimento da posição de consumidores que ocupam, com interpretação a seu favor das cláusulas contratadas.

É certo que, diante do princípio constitucional da autonomia universitária do art. 207, o conteúdo pedagógico pode ser formulado de diversas formas pela Instituição Universitária, com livre organização dos horários das aulas, escolha de métodos didáticos, promoção de atividades extra-classe e assim por diante.

Entrementes, não pode ser tal prerrogativa escudo para condutas abusivas e, acima de tudo, para suplantar outro princípio também constitucional, qual a proteção ao consumidor. A relação de consumo é evidente, e confirmada em todos os julgados, mesmo nos quais não se dá razão aos consumidores/alunos.

Logo, ponderando-se ambos os preceitos, como fez o Des. Volnei Carlin[ii], “impõe-se concluir que atuar com autonomia não significa atingir direitos consagrados em mesmo grau hierárquico”. E ousa-se ir mais longe: sendo o direito do consumidor um direito de interesse coletivo e matéria de ordem pública, sem dúvida encontra-se acima dos métodos de cobrança das Instituições de Ensino, não se questionando aqui o conteúdo pedagógico.

Neste sentido, podemos citar Cláudia Lima Marques, que indica que a Constituição, ao garantir aos consumidores a sua defesa pelo Estado, “criou uma antinomia necessária em relação a muitas de suas próprias normas, flexibilizando-as, impondo, em última análise uma interpretação relativada dos princípios em conflito, que não mais podem ser interpretados de forma absoluta ou estaríamos ignorando o texto constitucional”.[iii]

Desta forma, não se quer discutir a autonomia pedagógico-administrativa das Universidades, mas sim que a cobrança dos seus serviços deva encontrar limites nas leis e em outros princípios constitucionais, não servindo a justificar vantagens excessivas com desrespeito ao consumidor. A autonomia nunca foi permitida para impor cobranças iníquas de serviços não prestados.

A cobrança, como reflexo de contra-prestação de serviço, é permitida. Mas muito cuidado deve ser tomado ao se tomar uma premissa correta e partir dela para a conclusão mais rápida, ou fácil, ou conveniente. Desta feita, evidente que em um serviço não gratuito, a cobrança é legítima; mas nunca é autorizada além do serviço prestado. A cobrança combatida pelos alunos não tem se referido aos valores pagos durante todo o curso, mas tão-somente àqueles aos quais não correspondeu nenhuma prestação de serviço.

Nunca as Instituições Universitárias conseguiram provar que lhes era necessário o valor cobrado a mais, para a manutenção do curso. E

 

“[…] Não demonstrada a correspondente prestação dos serviços educacionais, pois a carga horária efetivamente ministrada pela instituição de ensino não atingiu o número de horas aula previamente contratado pelos alunos, em que pese efetuado o pagamento estipulado nas mensalidades, exsurge o dever do estabelecimento ressarcir as quantias indevidamente exigidas”.[iv]

 

Se tentaram as Universidades aplicar maior valor aos trechos do curso que mais exigiam dispêndios, além da falta da prova de tamanha despesa (ônus seu), faltou desconstituir o argumento sempre usado pelos alunos, pelo qual tem-se que estes utilizavam dos serviços apenas uma única hora por semana, com simples consulta aos professores, as vezes até na residência destes (que não recebiam remuneração maior), enquanto que, no restante do tempo, os alunos dedicavam-se aos seus projetos em seus espaços privados.

Perfeitamente lógico ser impraticável às Instituições prover o acompanhamento integral aos alunos com seus professores/orientadores, pois dependeria de um grande aumento na remuneração destes. Apenas não aceitam os alunos ter sido cobrado tal acompanhamento, eis que trata-se de serviço não fornecido. Tais cobranças foram uma prática explicitamente abusiva, no dispor do Código de defesa do Consumidor:

 

Dos Direitos Básicos do Consumidor

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[…]

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

[…]

Das Práticas Abusivas

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[…]

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

 

A verdade dos fatos se impõe: houve abuso na estipulação do valor, aproveitando-se as Instituições de que os alunos tinham necessidade de se formar para ingressar no mercado de trabalho, obtendo deles vantagem excessiva, diferente do contratado.

É indiscutível o fato de os alunos terem celebrado contrato, mas neste particular há pontos essenciais que não podem escapar ao escrutínio de nenhum julgador.

O primeiro deles é que o contrato celebrado com Instituições de tal porte, são sempre de adesão (art. 54, CDC), sendo o consumidor obrigado a aceitar todos os termos e imposições, sob pena de não lhe ser possível obter a graduação visada.

Nesta questão, é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Não é outra a situação daqueles que contrataram achando que pagariam um valor determinado por cada hora-aula, ou que entenderam que teriam certo número de horas-aula, mas às vésperas da graduação, depararam-se com outro cenário.

Outro ponto a ser analisado é a inexistência de ressalva no contrato, quanto à cobrança muito maior dos últimos créditos, ou o não acompanhamento integral, apesar do pagamento dos créditos. Ele não pode, por isso, concordar com a situação abusiva, da qual não tomou conhecimento antes de lhe ser imposta, próximo a sua conclusão de curso.

No tocante aos institutos da remissão e da renúncia, sabe-se que significam por vezes o perdão total de dívidas e podem ser presumidos de determinadas posturas dos credores.

O nó górdio fica na conexão destes conceitos com as conseqüências de uma colação de grau que, até onde é dado pensar ao aluno, resume-se na sua habilitação profissional e acadêmica.

Podemos içar lições do nosso Egrégio Tribunal sobre a matéria, em acórdão de Embargos Infringentes de relatoria do Des. Pedro Manoel Abreu:

 

“Friso, por fim, que o fato de os alunos terem colado grau, mesmo sabedores do pagamento de valores correspondentes a serviço não prestado pela instituição de ensino, não tem o condão de implicar em eventual renúncia daquele crédito.

Se assim fosse, estar-se-ia impondo dupla penalidade aos alunos; a primeira, centrada na obrigação de permanecerem na universidade mesmo após a conclusão do curso, até que os créditos fossem devolvidos pela UNIVALI, pedido este que jamais seria deferido, consoante resistência verificada nestes autos;

A segunda, localizada no fato de que, mesmo concluído o curso superior e impedidos de colarem grau (pois, do contrário, renunciariam aos créditos pagos a mais), estariam abdicando da oportunidade de ingressar no competitivo mercado de trabalho, momento em que, com o próprio esforço, poderiam compensar parcialmente os prejuízos até então sofridos”.[v]

 

Caracterizaria alienação social impingir a um aluno graduando que não se diplome, sob pena de não poder discutir o contrato com o fornecedor do serviço educacional. Equiparar-se-ia, na questão de injustiça, à imposição feita pelas Universidades, no sentido de que se os alunos não pagassem o valor absurdo que são comumente cobrados nos semestres finais, não poderiam cursar as últimas matérias e, conseqüentemente, se formar.

Um curso superior não se restringe ao fornecimento de um diploma para ser emoldurado e exposto na sala de estar. A necessidade que os alunos tinham era de habilitação profissional para se lançarem na batalha diária que existe no mercado de trabalho. Exigir que os estudantes ficassem anos sem poder trabalhar, na espera de uma morosa resposta judicial (com risco de ser injusta), só para não haver preclusão do seu direito, baseado em um presunção forçada, é cruel e não albergado em lei.

No mesmo caminho seguiria o inimaginável entendimento de que o aluno é responsável pelo descumprimento de normas próprias da atividade das Instituições de Ensino (currículo-pedagógicas), ou de que com tudo concorda ao receber o grau. A colação nunca foi recibo de quitação. Caso fosse, as Universidades perderiam valores vultosos que têm a cobrar de ex-alunos.

O consumidor tem proteção constitucional e o contrato neste tipo de relação é sempre alterável, sob qualquer hipótese de prejuízo a ele, que é parte hipossuficiente da relação.

Em cobranças abusivas, como as que vêm sendo combatidas, ficam flagrantes o ganho excessivo pelas Universidades e os danos dos alunos, na medida em que o ganho de valor equivalente a oito créditos com contraprestação de apenas um crédito, traduz-se em um manifesto enriquecimento sem causa, com ganhos nitidamente sem origem lícita.

Neste sentido, freqüentes as decisões:

 

“[…] Provada a cobrança de valores indevidos dos autores, que ao cursarem as disciplinas do 5º (quinto) e 6º (sexto) períodos, pagaram quantum superior ao número de créditos que foram efetivamente lecionados, resta configurada a prática abusiva, consoante o disposto no artigo 6º, inciso IV, da Lei n. 8.078/90.[vi]

 

São as disposições dos códigos civis de 2002 e 1916 sobre o tema:

 

Código Civil de 2002

Do Enriquecimento Sem Causa

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. (grifo nosso)

 

Código Civil de 1916

Do Pagamento Indevido

Art. 964.  Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir.

A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. (sem grifo no original)

 

Tendo como base a lei, não há explicação para o fato de parcela do Judiciário estar limitando as alternativas de solução em uma única: cursar as hora-aulas faltantes. Inevitável questionar: E por que não devolver o valor pago e não prestado? Por que tanta proteção às Universidades? Qual o mal de se devolver o valor referente à parcela de serviço que não foi fornecido?

Todavia, alguns membros das Câmaras Civis de nosso Estado têm agido com justiça e sensibilidade:

 

“Não demonstrada a correspondente prestação dos serviços educacionais, pois a carga horária efetivamente ministrada pela instituição de ensino não atingiu o número de horas aula previamente contratado pelos alunos, em que pese efetuado o pagamento estipulado nas mensalidades, exsurge o dever do estabelecimento ressarcir as quantias indevidamente exigidas”.[vii]

 

Se está mais do que evidente que o pagamento de determinado valor nos últimos semestres foi indevido, não haveria melhor alternativa que restituí-los a quem os pagou sem obter vantagem sobre eles. Esclareça-se que a colação de grau foi uma conquista de cada aluno, por todo o histórico que construiu, e sob chancela dos órgão competentes da Administração. Por outro lado, o benefício pelo qual pagavam os alunos, eram as aulas, e não o Diploma.

Desta forma, nos últimos períodos os alunos cumpriram as horas de estudo, sozinhos, na intimidade de seus lares e privacidade, desconhecendo que tal situação desatenderia os requisitos legais, cujo cumprimento é de obrigação da Intituição fornecedora do serviço. Mantenha-se em mente que tais Instituições têm renome e tradição no nosso Estado e que receberam autorização dos órgãos competentes para funcionar no âmbito de serviços educacionais.

Não pode ser obrigação do aluno a contagem de horas e aulas e a conferência de requisitos técnicos junto às leis e normas específicas, nem esta escudo aos abusos das Universidades. A chancela de órgãos públicos cria a presunção legítima de que o órgão responsável pela aplicação privada/fundacional é executado nos conformes da lei. Mas não abaliza nenhum ato ilegal.

Se o Ministério da Educação e o Conselho Estadual de Educação autorizaram os serviços educacionais contratados, como destacam os juízes, pesa o argumento de que a colação de grau se deu com supedâneo na chancela da administração pública. Entretanto, tal evento não é apto a gerar evidência ou presunção  de que o serviço foi prestado em conformidade com a legislação que rege as relações de consumo.

Especialmente no campo judicial, não se poderia perder o foco exatamente na questão de competências. As obrigações pedagógicas são de responsabilidade da Instituição, fiscalizada e normatizada pelos órgãos próprios do Ministério da Educação e demais da Administração Pública do Poder Executivo.

As obrigações contratuais por sua vez, são da esfera privada, atingindo a ordem pública apenas pelo caráter protetivo que o Estado deve dispensar às relações de consumo. Neste diapasão, não têm relação com o projeto pedagógico, os abusos contratuais, cabendo tão-somente ao Poder Judiciário, conforme preceito constitucional da separação dos poderes, observar o aspecto tornado litigioso, qual seja, a cobrança indevida por serviço não prestado.

Neste sentido, encontramos eco no entendimento no E. Tribunal de Justiça:

 

“Diria mais: com todo o respeito aos que sustentam entendimento contrário, penso que o fato de os alunos terem colado grau independentemente do cumprimento integral da carga horária prevista para o curso nada mais é do que uma infringência administrativa, que deve ser apreciada pelo Ministério da Educação, e não pelo Poder Judiciário”. [viii]

 

A decisão acima, do Des. Rui Fortes, em acórdão que restou vencido, foi objeto de Embargos Infringentes no qual os Desembargadores, em Grupo de Câmaras de Direito Público, por maioria de votos, determinaram a devolução do valor pago à Universidade particular, com atualização monetária a partir do efetivo desembolso e juros de mora a partir da citação.

Também importa ressaltar que os alunos nunca deram azo a qualquer ato ilícito. Esquecendo, por ora, da imprescindibilidade da graduação para o próprio sustento dos alunos, giza-se que quem procede à colação são as próprias Instituições, em ato solene.

O aluno é impelido a cumprir suas obrigações acadêmicas a todo momento. Quando o professor marca uma prova, não é obrigação do aluno verificar se o programa já foi todo executado. Quando lhe é exigido a execução de um projeto, não cabe ao aluno verificar se lhe falta algum dos requisitos. Igualmente não lhe é dado a esperar mais nada além da graduação após ter defendido com êxito seu projeto final.

Se há um ato ilícito, sem dúvida é da parte das Universidades. Se há culpa, mais do que sem dúvida se deve à imperícia ou dolo da Instituição e não à qualquer negligência de quem dedicou horas de tempo privado para executar um projeto nos moldes requeridos, com sua validade ora posta em cheque para justificar a manutenção de um valor indevido nas contas das Instituições Universitárias.

Se houve realmente um ilícito, os prejudicados são sem dúvida alguma os alunos, pois, ao contrário do que parece ser o lema destas Fundações ou Instituições de Ensino, o aluno não busca apenas o diploma e a colação de grau. Seu objetivo ao ingressar em um curso de nível superior é obter formação, assistir aulas, desenvolver seu conhecimento.

A torpeza que fundamenta algumas decisões, foi por parte das próprias Instituições, que sendo privadas ou mesmo fundacionais, tiram seu benefício e manutenção da cobrança dos créditos e não necessariamente do fornecimento efetivo de serviços educacionais. O caráter não-lucrativo de algumas, resta mesmo mitigado.

Mas é exatamente em consideração aos objetivos de cada uma das partes deste contrato de fornecimento de serviços educacionais é que se encontra a origem da turpitude: de um lado um aluno, para quem só interessa a obtenção do conhecimento e capacitação profissional; de outro, Instituições cuja a exigência e interesse parecem, no momento, não ultrapassar a obtenção de valores.

Muito claramente se vê que do ponto de vista das Universidade, ou ao menos do que lhe emprestam inúmeras decisões, o objeto de comércio da relação mantida com os alunos, é o diploma. De outra forma não se explica a indicação da necessidade de desfazer a colação, para se devolver o dinheiro cobrado.

Ora, o valor cobrado deve ser para se dar as aulas, e não para conceder o diploma, conquista individual de cada estudante. O desfazimento do ato jurídico apenas se imporia se o pedido fosse de valor pago devidamente. O valor pago por um bem deve ser restituído se o for o próprio bem. Evidente.

Neste sentido podemos içar mais um julgado da Alta Corte Catarinense:

 

“Tendo a Universidade cobrado mensalidades com base em créditos que previam número de aulas superior às que efetivamente foram ministradas, deve restituir os valores desembolsados pelo aluno, eis que indevidamente pagos a maior, não cabendo invocar, aqui, a globalidade do proveito acadêmico para a sua formação, já que o direito a receber o serviço educacional no montante contratado é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor”.[ix]

 

Os serviços prestados não são discutidos pelos alunos, que apenas pedem o valor pago por serviço não prestado. Assim, não há como se exigir o desfazimento do ato jurídico.

Por derradeiro, o desfazimento do ato jurídico de colação de grau não pode ser ameaçado na seara de ações de repetição de indébito, visto que concedida com chancela dos órgãos competentes.

Ao dar razão às Universidades, em detrimento dos alunos, sob argumentos tão falhos e vazios, está o Poder Judiciário dando sua chancela a práticas abusivas contra o consumidor e permitindo um enriquecimento sem causa às expensas e prejuízo de milhares de alunos catarinenses, de uma forma jamais autorizada, e mesmo combatida pelas leis.

Os alunos pagaram por um serviço não prestado: é fato; as Universidades tentaram condicionar a validade da colação de grau ao valor pago para se eximir da restituição. Sendo o objeto de comércio as aulas e não o diploma, a solução destas questões se impõe:

Restitua-se os valores pagos de forma indevida pelos alunos; e se estará fazendo justiça!!


[i] Usa-se a palavra mensalidades, em razão da expressa exigência da Lei 9.870/99, no sentido de o pagamento pelos serviços ser obrigatoriamente dividido em doze parcelas iguais, ou seis, para os cursos semenstrais.

[ii] mencionado no acórdão da apelação cível 2005.011816-8 do Des. Nicanor da Silveira

[iii] Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 577/578.

[iv] Apelação Cível  n. 2000.018418-7, de Biguaçu, rel. Des. Carlos Prudêncio

[v] Lição do Des. Rui Fortes, citada nos Embargos Infringentes. 2005.007755-6, em 14/09/2005

[vi]  Apelação Cível. n 02.007205-8, de Biguaçu. Rel. Des. Volnei Carlin

[vii] Apelação Cível n. 00.018418-7, de Biguaçu. Rel. Des. Carlos Prudêncio

[viii] Cit. in Embargos Infringentes  2005.007755-6, de Biguaçu, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu

[ix] Apelação Cível n. 2003.022009-7, Rel. Des. Jaime Ramos, em 29/09/2004